HISTÓRIAS DA VIDA CLÌNICA - 7
O galo
O Serviço Médico à Periferia que nos levou a terras e
vivencias desconhecidas foi uma aprendizagem ímpar que eu julgo que continua a
fazer falta aos jovens médicos.
Nos anos setenta as nossas vilas e aldeias do interior eram
muito mais povoadas, a maioria analfabetos, mas com uma simplicidade e bondade
de caracter que a cada momento nos surpreendia.
Os que vivem nas grandes cidades e não têm contacto com o
povo não compreendem o modo de viver dum povo castigado com decisões sempre
hostis e erradas ditadas por interesses mesquinhos que vão despovoando o nosso
interior afugentando os médicos deixando-os outra vez entregues a si próprios
escolas longe hospitais longe desemprego um convite permanente ao abandono.
A relação médico/doente era bem diferente do que é hoje -um
novo doente era um potencial amigo ainda não havia utentes e muito menos
clientes as campanhas anti-médico ainda não tinham começado.
A aldeia onde fiz consulta durante um ano tinha muito poucos
transportes públicos e o carro do médico servia também para transportar doentes
que precisavam de internamento ou para se deslocarem à Vila.
Um dia uma senhora de 50 e poucos anos com uma infecção
respiratória com mais de uma semana de evolução e febre alta veio à consulta
,como precisava dum RX e análises avisou a família que podia ter de ficar
internada e no final da consulta levei-a ao Hospital fiz um RX -eramos nós que
fazíamos os RX não havia técnico- fez análises confirmou-se a suspeita clinica
de pneumonia ficou internada dois dias no dia da alta passei no Hospital de
manhã e levei a doente para casa que era na aldeia onde fazia consulta.
Na Consulta seguinte Curada da Pneumonia disse-lhe -pronto
agora só necessita de voltar à consulta dentro de 15 dias. Dr estou-lhe muito
agradecida por tudo o que fez por mim e na próxima consulta vou trazer-lhe um GALO
muito bonito que tenho lá no meu quintal- Deixe estar o galo que não tenho
capoeira para o guardar-não, faça uma canjinha que é muito boa dum galo
daqueles dá muita saúde.
Na consulta seguinte confirmou-se que a tosse residual já
tinha passado e estava sem queixas.
O Dr Hoje já vinha a contar com o GALO mas olhe adoeceu um
filho meu e tive de o matar para fazer uma canjinha , trago-lhe dois pombinhos,
não é a mesma coisa, mas também fazem uma canjinha muito boa.
Agradeci naturalmente
a oferta, mas fiquei mais maravilhado com a sinceridade e simplicidade com que
honestamente se justificou, os pombos foram oferecidos a um pombal que havia no
Monte onde residíamos.
A doente e a sua família ficaram naturalmente nossos amigos.
Juramento de Hipócrates
Versão de 1983
A Saúde do meu Doente será a
minha primeira preocupação.
Manterei por todos os meios ao
meu alcance, a honra e as nobres tradições da profissão médica.
A.M.
Saudades desses tempos de SMP.
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