João Lobo
Antunes
«A
aprendizagem do ofício, o cumprimento durante toda a vida dos hábitos de um bom
aluno, terão contribuído para fazer de mim um razoável professor ou, melhor
dito, um professor feliz.»
«Creio que muitos conhecem o ofício de neurocirurgião,
quando mais não seja pelas séries televisivas que tanto o exaltam. [...]. A
neurocirurgia e a cirurgia cardíaca disputam palmo a palmo o prestígio e o
reconhecimento mediático, e ambas têm uma aura milagreira.
No Neurological Institute de Nova Iorque onde me
treinei, ouvi um dia dizer que a diferença entre Deus e o neurocirurgião é que
Deus sabe que não é neurocirurgião. Acredita se, com exagerada benevolência,
que os praticantes da minha especialidade são possuidores de um carisma especial,
algo que parece intrínseco à sua natureza. Carisma significa dádiva dos deuses,
e é verdade que este atributo é exigido por quem nos procura, como se
possuíssemos uma bênção ou uma benesse adicional — “mãos de ouro”, “mãos
benditas”, ouvi muitas vezes.»
«Na véspera da minha partida para Nova Iorque despedi-me
de Lisboa que inesperadamente se iluminara de um sol radioso. No meu Fiat 600,
deambulei pela Baixa pombalina, subi aos vértices do triângulo que domina a
cidade: o Castelo, o Largo de São Pedro de Alcântara e o cimo do Parque Eduardo
VII. Enchi-me de Lisboa, como ávida esponja, ou como um dromedário que bebe
litros de água porque suspeita que a viagem será longa. A verdade é que nunca
mais olhei Lisboa com um olhar tão profundo, e a apertei num abraço tão cerrado e amplo como
nessa tarde.»
Da badana
O Autor
João Lobo Antunes
(1944-2016), foi neurocirurgião de relevo e Professor Catedrático de
Neurocirurgia da Faculdade de Medicina de Lisboa. Fundador e presidente do
Instituto de Medicina Molecular, assumiu ainda a presidência do Conselho
Nacional de Ética para as Ciências da Vida. Defensor de uma visão humanista da
medicina e detentor de vasta cultura, publicou sete livros de ensaios: Um
Modo de Ser (1996), Numa Cidade Feliz (1999), Memória de
Nova Iorque e Outros Ensaios (2002), Sobre a Mão e Outros
Ensaios (2005), O Eco Silencioso (2008), Inquietação
Interminável (2010) e Ouvir Com Outros Olhos (2015); uma
biografia de Egas Moniz (2010); e, na coleção «Ensaios» da Fundação
Francisco Manuel dos Santos, A Nova Medicina (2012).
Entre as várias distinções que recebeu conta-se o
Prémio Pessoa (1996) e o Prémio da Universidade de Lisboa (2013). Foi ainda
agraciado com a Grã-Cruz da Ordem do Infante D. Henrique (2004) e Grã-Cruz da
Ordem Militar de Sant'Iago de Espada (2014), que distingue o mérito literário,
científico e artístico.
Edição da Gradiva
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