Haja
Deus!
O episódio que descrevo a seguir, ocorreu comigo há
cerca de quarenta anos na mesma urgência do hospital concelhio, onde vivi solitário
outros casos inesquecíveis.
- Haja Deus! – foram as primeiras palavras da doente.
Era domingo, esta senhora encontrava-se tranquilamente
a almoçar em casa na companhia do marido, quando ao mastigar um pedaço duro de
carne, ficou subitamente com a mandíbula imobilizada e dolorosa, o que motivou
a sua vinda imediata à urgência.
À entrada, apresentava-se com a face assimétrica, de
boca aberta sem conseguir falar, babando-se copiosamente e de olhar assustado. A
surpresa era grande, pois era a primeira vez que tal lhe tinha acontecido.
O que se tinha passado? A extremidade superior do osso
maxilar (inferior) do lado esquerdo, tinha saído da sua cavidade natural, o que
provocou um bloqueio da articulação.
Palpei cuidadosamente as articulações dos dois lados
do rosto. Naquele hospital não dispunha do apoio de Radiologia. Ponderei
rapidamente a situação, e decidi-me por tentar sem demoras resolver ali mesmo o
problema – reduzindo a luxação. Ia medir forças com um músculo fortíssimo o – masséter
- para restituir a extremidade do osso à sua localização original. Prescrevi um
relaxante muscular e um analgésico, esperei pelo efeito e com toda a força
pressionei para baixo sobre os dentes de trás, empurrei o queixo para cima, e
senti nos dedos o ressalto da entrada do osso na cavidade.
E é quando a doente solta a exclamação com que começo
estas linhas:
- Haja Deus! - certamente que não estava a referir-se
a mim.
Escusado será dizer que teve alívio imediato e saiu
felicíssima com o marido de regresso a casa.
E eu, ainda não acreditava no que tinha conseguido
fazer, era a primeira vez que me confrontava com uma luxação temporo-mandibular
e resolvia a situação sozinho.
Curiosamente, passados um ou dois meses surge-me outra
doente com o mesmo problema e eu muito confiante, não hesitei em tentar a mesma
manobra, tentei, tentei, tentei…. e o osso permaneceu imóvel indiferente aos
meus esforços, pelo que me decidi pela transferência da doente para a urgência
de Cirurgia Maxilo-Facial do Hospital de S. José, em Lisboa.
A isto chamo: a sorte do principiante.
C.F.
chegaste a saber se era uma luxação da temporo-mandibular?
ResponderEliminarHá 40 anos....sem Rx,, o diagnóstico foi clínico, com resposta ao tratamento (não havia trauma o que ajudou). Obrigado
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